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pedro.paulo

Mestre em Economia e advogada, formada pela PUC-RJ, foi professora do Departamento de Economia da PUC-RJ e da Faculdade de Direito da FGV/RJ.

Foi diretora de Desestatização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES.

Integrou o conselho de empresas como Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, Vale, Cemig, AES e presidiu o conselho da Eletrobras.

É Presidente Nacional do Livres, sócia do escritório de advocacia Sérgio Bermudes, membro do Conselho de Administração da Eneva, do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e do Conselho Consultivo da Comgás.


Resumo:

Face a divergências, a privatização, que ganhou força na década de 1990, sofre até hoje impasses de execução no Brasil. Com sua experiência, a economista Elena Landau traz ao podcast A arte da Política Econômica os caminhos da desestatização no Brasil. Sua participação no BNDES no momento de inflexão do programa de privatização foi fundamental para a extração de valorosos aprendizados sobre desenhos institucionais, modelagem de ativos e de infraestrutura. 

O financiamento na década perdida e o embrião do Programa Nacional de Desestatização

A década é de 1980: afora as crises fiscal e externa, há um sério problema de financiamento no Brasil, com o próprio BNDES não encontrando recursos para empréstimos de longo prazo. Em uma das medidas de reação do Banco, buscou-se a execução de uma política de recuperação de créditos e de receitas. Com o programa, foi criada a expertise para avaliações de empresas, leilões e, ainda, o uso de auditorias externas, visando-se a maior transparência e legitimidade do processo. O conjunto de ações, além da já antes iniciada venda de ativos, foi responsável pela preparação do ambiente para a criação do Programa Nacional de Desestatização em 1990, no governo Collor. 

O desenho institucional nos modelos de privatização e o papel da liderança diante das reações 

Independentemente da qualidade do desenho institucional que se tenha, o papel da liderança continua sendo primordial. Sob comando de Eduardo Modiano (1990-92), o BNDES impulsiona o Programa Nacional de Desestatização. A identificação de empresas a serem privatizadas ocorria a partir das sugestões das diretorias do banco e, ainda, com apoio externo, através de consultores e auditores. Na presidência de Pérsio Arida, o Banco reformula as diretorias e cria uma diretoria dedicada apenas à privatização. Apesar da evolução, é a partir do governo FHC que o tema ganha estrutura e projeção. Em substituição a uma secretaria de privatização com consultoria externa, cria-se um conselho de ministros. O Conselho Nacional de Desestatização torna-se, então, essencial ao BNDES como anteparo para o enfrentamento das resistências ao programa. Com o Conselho, novas empresas são incorporadas e levadas até o Presidente da República para decisão final, como a Vale (maio 1997) e Telebrás (julho 1998). 

Modelagem de ativos, transformação setorial e o ponto de inflexão de 1995 no programa de privatização

No processo de modelagem de ativos, é importante levar em conta não apenas a contribuição fiscal, mas também o impacto sobre a transformação setorial, sobre a capacidade de agregar valor ao setor. É importante se ter uma visão sobre o que se espera do desenvolvimento do setor; essa preocupação esteve presente na privatização da Telebrás. A privatização em vários setores dependia de reformas na Constituição. No governo FHC foram necessárias, pelo menos, cinco emendas constitucionais para ampliação do programa de privatização para serviços públicos. O ano de 1995 marca um ponto de inflexão positivo no programa, não só pela inclusão de empresas simbólicas, que eram até então consideradas como estratégicas, como pela incorporação de novos setores e atores ao processo de privatização.

Mudanças institucionais desde os anos 1990 e a lacuna da liderança no programa de privatização

No decorrer do programa de privatização, a contar dos 1990 até hoje, ocorreram importantes mudanças institucionais. O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, que estava vinculado ao processo de legitimação, passa a interferir, também, na definição de preços, o que gera ainda mais complexidade ao programa.  Um ponto favorável, porém, está na visibilidade de escândalos de corrupção como na Lava Jato, promovida pela ascensão de mídias sociais e que gera apoio popular à causa. Hoje, há um ambiente muito mais favorável ao programa de desestatização do que antes. Contudo, há uma importante lacuna de liderança e condução do processo a ser preenchida. 

A participação do setor privado cresce em infraestrutura, ainda que com baixa qualidade regulatória…

O setor privado tem elevado a sua participação na oferta de infraestrutura e governos, de diferentes perfis, têm sustentado este processo. Em infraestrutura, a dificuldade está no estabelecimento de um projeto básico de qualidade, definições prévias de risco e qualidade regulatória. Uma das consequências do enfraquecimento das agências reguladoras é o crescimento do Poder Judiciário com liminares e a ampliação das funções do TCU em processos técnicos, tais como de modelagens, definição de preços e de outorgas. A questão, então, é entender como que, diante de tão precária qualidade de regulação e insegurança jurídica, continua a se venderem ativos no Brasil. A resposta pode estar nas expectativas de longo prazo, no barateamento dos ativos, ou, ainda, na união dos dois fatores. A melhoria da qualidade regulatória é um desafio permanente a ser enfrentado.

Transformações, liderança e papel do Estado: um balanço final da privatização

O efeito da desestatização não se estabelece apenas na arrecadação, mas também na eficiência gerada à economia. A mera geração de lucro não deveria impedir uma empresa de ser privatizada. Por melhor que seja a gestão, a empresa estatal estará sempre um passo atrás, já que carrega diversas limitações como o dever de licitação, complexidade na demissão de funcionários e dificuldade de concorrência com a tecnologia privada. Por fim, não se pode avançar nesse caminho sem uma boa liderança, que consiga o entendimento de que o Estado deve ser liberado para as funções essenciais a ele pertinentes, para que haja eficiência na economia. O discurso puramente fiscal não é suficiente, é preciso se perguntar qual o Estado que se quer. Portanto, garantir a organização da educação, conectividade, saúde e saneamento, qualidade de habitação popular e de transporte público é o que deve fazer parte do portifólio estatal e não a detenção de empresas ainda que autossuficientes. 


Leituras sugeridas:

VELASCO, Licinio Jr. A privatização no Sistema BNDES. Revista do BNDES 33, junho 2010. Disponível em: https://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/rev3309.pdf 

De ARAGÃO, Alexandre. Empresas Estatais. 2ª edição. Forense, 2018.

GIAMBIAGI, F; FERREIRA, S; AMBRÓSIO, A. M. Reformas do Estado Brasileiro: Transformando a Atuação do Governo. GEN Atlas, 2020.

Obs.: recomenda-se a leitura dos artigos de Marcos Mendes e Luiz Chrysostomo disponíveis no livro. 

TIROLE, Jean. Economia do Bem Comum. Zahar, 2020. 

Obs: recomenda-se a leitura dos capítulos 6 e 17. 

CHRYSOSTOMO, Luiz. Etapas da Desestatização no Brasil: 30 anos de história. IEPE/Casa das Garças, 2019. Disponível em: https://iepecdg.com.br/textos/etapas-da-desestatizacao-no-brasil-30-anos-de-historia/ 

PINHEIRO, A. C; FUKASAKU, K. A privatização no Brasil: o caso dos serviços de utilidade pública. Biblioteca Digital do BNDES, 2000. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/handle/1408/2222

PINHEIRO, A. C; LANDAU, E. Privatização e Dívida Pública. Biblioteca Digital do BNDES, 1995. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/handle/1408/14056 

De OLIVEIRA, G; CHRYSOSTOMO, L. Parcerias Público-Privadas: Experiências, Desafios e Propostas. LTC, 2013. 

Obs.: recomenda-se a leitura do texto: O Estado e a iniciativa privada no setor elétrico: uma análise das duas últimas décadas (1992-2012), com Joisa Dutra e Patrícia Sampaio. 

SCHLEIFER, Andrei. State versus Private Ownership. NBER Working Papers #6665, 1998. Disponível em: https://www.nber.org/system/files/working_papers/w6665/w6665.pdf  

MEGGINSON, W. L; NETTER, J. M. From State to Market: A Survey of Empirical Studies on Privatization. Journal of Economic Literature, 39(2):321-389, junho 2001.

SCHLEIFER, A; VISHNY, R. W. Corruption. NBER Working Papers #4378, 1993. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/6819852.pdf 

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