Amaury G. Bier é sócio e Presidente da Gávea investimentos. Anteriormente, ele foi Diretor-Executivo do Banco Mundial (World Bank), IFC e MIGA (fins de 2002 até início de 2004) e Secretário-Executivo do Ministério da Fazenda (de Abril 1999 até Novembro 2002). Amaury já havia ocupado posições de senioridade no âmbito do governo federal, notadamente Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1998-99) e Economista-Chefe do Ministério do Planejamento (1996-98). No setor privado, ele foi Economista-Chefe do Citibank Brazil (do início de 1994 até meados de 1996); sócio da empresa de consultoria Kandir & Associados (1992 -93); e economista-sênior da Sadia e da Copersucar. Amaury é Bacharel em Economia e completou os créditos do curso de Doutorado em Economia na Universidade de São Paulo (1986), onde ele também lecionou Economia (1985-86).
Resumo:
Seguindo o bloco de gestão de crises e governança, o economista Amaury Bier detalha lições e conceitos apreendidos em sua experiencia em funções de formulação e gestão de políticas em ministérios da área econômica. Sócio e presidente da Gávea Investimentos, Amaury, sobretudo como secretário executivo do Ministério da Fazenda (1999-2002), vivenciou importantes experiências na arte de fazer política econômica, e traz um balanço sobre o aprendizado e desafios que fizeram parte do período, e, ainda, uma visão sobre a agenda para aumentar a eficácia da operação do setor público.
A secretaria executiva e a gestão no Ministério da Fazenda…
Em 1999, Amaury Bier assume a Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda. A função do secretário é sempre moldada pelas características de trabalho do Ministro, mas, apesar das variações, o que se espera no cargo, em última instância, é a coordenação da gestão e o auxílio para o bom funcionamento do Ministério. Nesse cargo, há funções administrativas, as quais envolvem, por exemplo, questões orçamentárias e de recursos humanos, e funções de gestão de políticas. Nas funções administrativas é fundamental o apoio do Secretário adjunto, que atua como âncora para tais atividades, e cria o tempo para que o Secretário- executivo possa atender e dar suporte direto ao ministro. Nas funções de gestão de políticas, era recorrente, para o secretário- executivo, fazer a interação com o Banco Central, com a CVM e, ainda, com o COAF. Por fim, recai sobre o Secretário, em geral, a representação do Ministro nas reuniões do CONFAZ.
A reforma tributária, a participação da Receita Federal e a dificuldade de avanço do sistema tributário
Apesar do viés de preservação do status quo, ou seja, aversão a mudanças que geram incertezas e perdas de receita, a participação da Receita Federal na reforma é fundamental, já que comporta profundo conhecimento do sistema tributário. Entretanto, sendo o foco maior da Receita a arrecadação, torna-se ainda mais importante a presença de formuladores de política econômica, que venham garantir a ausência de distorções no âmbito microeconômico. Um bom exemplo está na atuação da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, na gestão do Bernard Appy¹, que trouxe o tema para a sua coordenação, e hoje, fora do governo, é reconhecido como um de seus maiores especialistas. O entrave maior para aprovação e concretização da proposta se concentra não no processo de formulação, mas nas implicações políticas, decorrentes dos interesses de estados, municípios, corporações e bancadas.
A importância da coordenação intragovernamental
O presidente da República representa a voz final na tomada de decisões do Executivo, mas, na prática, espera-se um importante papel de coordenação da Casa Civil. A eficiência do governo depende da capacidade de se manter um diálogo eficaz entre os ministérios e órgãos federativos. É importante destacar o papel da atuação, durante o governo de FHC, dos dois ministros chefes da Casa Civil, Clóvis Carvalho e Pedro Parente, essenciais ao processo de coordenação, definição de diretrizes e garantia de ausência de vácuo decisório. O Ministério da Fazenda tem relação intensa com os demais ministérios; a necessidade de interação é grande, em especial nas decisões com implicações fiscais, como no Ministério da Agricultura com subsídios financiados pelo Tesouro Nacional, ou, ainda no Ministério da Saúde, quando da definição do piso mínimo de despesas.
Transição política em 2002: diálogo e lições da experiência internacional
O ano era 2002, e o cenário era de apreensão: o País ainda convivia com reflexos das crises em 2001, da Argentina, da Nasdaq e da energia, e temiam-se novas tensões, dado o ano de eleições e as apreensões sobre a nova política econômica. Os sinais apareciam principalmente nos indicadores de rolagem da dívida e da taxa de câmbio, que demandavam uma reação da política monetária, uma vez que a desvalorização cambial pressionava a inflação. O governo buscou reproduzir a experiência internacional de transições mais organizadas. Como exemplo, pensou-se na crise sul coreana, onde, na transição política, houve o apoio do FMI condicionado ao compromisso dos candidatos ao governo com a agenda político-econômica de estabilização. Seguindo esse modelo, buscou-se no Brasil a negociação com o FMI, com um desenho de mobilização de recursos que não precisaria necessariamente ser utilizado pelo próximo governo. Houve, então, não só o acordo com o Fundo, mas também um diálogo com todos os candidatos, sobre as condições econômicas e os seus desafios. Os sinais de estabilidade terminam por ocorrer, de fato, com o fim da transição: conhecida a equipe econômica do novo presidente e sinalizada a política econômica, o mandato de Lula se inicia com os mercados mais estáveis.
O compromisso com o interesse público e a reforma no funcionalismo público como um norte
A presença de agências e burocracias, com carreiras bem estruturadas, pessoas tecnicamente capazes e com o estímulo de se trabalhar em prol do bem coletivo, é essencial para o bom governo. A realidade institucional hoje talvez não comporte os estímulos à excelência, mas acomoda, de forma promissora, burocracias de qualidade, que trabalham e visam o interesse público. Com urgência, é preciso, sim, evoluir na estrutura de remuneração do funcionalismo público². É necessário haver empenho com a meritocracia, já que o nível inicial do funcionário público é alto e pouco incentivo há para progressão e trabalho com eficiência. Apesar dos problemas, o resultado é positivo, e há no Brasil pessoas capazes, com o interesse público como guia.
¹Notadamente um dos grandes referenciais no tema, Bernard Appy defende a simplificação de impostos desde 2008. Esse e mais estudos disponíveis em: https://ccif.com.br/ (Centro de Cidadania Fiscal)
²Batizado por Armínio Fraga de “reforma do RH do governo federal”. Texto disponível em https://iepecdg.com.br/wp-content/uploads/2019/09/A-Reforma-Do-Rh-Do-Governo-Federal.pdf