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pedro.paulo

Ana Paula Vescovi é economista-chefe do Banco Santander e membro do Conselho de Administração e do Comitê de Auditoria e Riscos da Ultrapar.

Atuou na Administração pública direta e em Conselhos de Administração de empresas estatais e privatizadas. Exerceu os cargos de Secretária Executiva do Ministério da Fazenda e Secretária do Tesouro Nacional, Presidente dos Conselhos de Administração da Caixa e do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), membro do Conselho de Administração da Eletrobras. Foi Secretária da Fazenda do Estado do Espírito Santo. 

É bacharel em Ciência Econômicas;  especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Mestre em Administração Pública (FGV-RJ) e em Economia do Setor Público (UNB-DF).


Resumo:

Ana Paula Vescovi, economista, ex-secretária do Tesouro Nacional e ex-secretária executiva do Ministério da Fazenda, traz ao podcast A Arte da Política Econômica lições e aprendizados de gestão pública no âmbito das regras fiscais, ajustes dos estados, renegociações de dívidas e reformas. Vescovi também foi secretária da Fazenda do Espírito Santo (2015-2016), e descreve essa experiência. Ao comentar as reformas, destaca a importância do engajamento, da mobilização e do valor do convencimento para avançá-las. 

Antecipação à crise e gestão na Secretaria da Fazenda do Espírito Santo

Em 2014, Vescovi alertou sobre os problemas nas contas do estado do Espírito Santo e contribuiu para o desenvolvimento de um plano para o equilíbrio das contas públicas do governo que iria tomar posse. No ano seguinte, já na Secretaria da Fazenda do estado, estabeleceu uma agenda de ajuste das contas públicas e contribuiu para a criação de condições facilitadoras para a melhoria das políticas públicas do Estado. Foram desenvolvidas ações e projetos de concessões voltados para a atração de capital privado para a área de infraestrutura. A política de redefinição das prioridades de governo foi ancorada por forte política de controle de caixa e otimização dos recursos. Em contraste à crise presenciada em outros estados, não ocorreram atrasos de salários e, com a revisão de contratos escolares, por exemplo, foi aberta a primeira escola de ensino médio de tempo integral no Espírito Santo. 

A formulação do Teto de Gastos diante de um comprometido quadro fiscal

Ana Paula Vescovi era secretária de Fazenda do Espírito Santo quando, em junho de 2016, foi indicada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para a Secretaria do Tesouro Nacional. Em abril de 2018, assumiu a Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda na gestão de Eduardo Guardia. Ela esclarece que o processo de formulação da regra do teto de gastos, em 2016, deu-se sob um contexto fiscal instável; era patente a necessidade de se reancorar as expectativas diante deste quadro. Buscou-se, em primeiro lugar, simplicidade nas regras, a fim de que se evitasse a excessiva judicialização. Em segundo, planejaram-se regras que tivessem maior facilidade de aplicação e que facilitassem o processo de aprovação. A proposta foi produto de um amplo conjunto de discussões técnicas e do apoio de diversos especialistas. Baseava-se no diagnóstico de um crescimento persistente da despesa pública em relação ao PIB, desde a Constituição de 1988, dos limites para a ampliação da carga tributária e da consequente necessidade do ajuste gradual na despesa. Do diagnóstico, desenhou-se uma regra de ajuste fiscal que sinalizaria, em um horizonte de 10 anos, a possibilidade de se chegar a um patamar menor de dívida/PIB, com expectativa de se alcançar, em 3 anos, um superávit primário nas contas federais.

As regras fiscais e a sociedade

Há sinais evidentes do enfraquecimento gradual das regras fiscais dentro dos três poderes no Brasil.  A única regra que funciona é a responsabilidade fiscal se tornar um valor permanente da sociedade. A questão chave é o equilíbrio intertemporal ou a solvência intertemporal através de governos, um compromisso entre gerações que é fundamental para aumentar o potencial de crescimento e a capacidade de o Estado atender às demandas por bens públicos. 

Renegociação de dívidas no Brasil e crise nos entes subnacionais 

Já no final da década de 1990, a percepção do desequilíbrio das contas públicas, como fonte do processo hiperinflacionário, conduziu aos ajustes de natureza fiscal e institucional que alimentavam estes desequilíbrios. Naquele momento, a União assumiu a dívida mobiliária dos estados, e fez renegociações bilaterais com os entes subnacionais. A discussão presente vai no caminho oposto quanto à gestão da dívida mobiliária. Há demandas para que os estados possam gerir a dívida mobiliária, com o custo de rolagem da própria dívida sujeito ao desempenho financeiro do estado. Para Vescovi, essa discussão não se revela oportuna no contexto atual do Brasil e, caso acolhida, passaria por garantias do Tesouro, além de incorrer em problemas de incentivo. 

O processo de convencimento e os efeitos das reformas 

O processo de comunicação e de convencimento é essencial para a evolução de reformas. Na reforma da Previdência, houve detalhamento de sua importância, com a narrativa pautada nos efeitos de justiça social e de equilíbrio de ônus entre gerações. O entendimento dos efeitos das regras da previdência sobre a iniquidade criou condições para o apoio e o fato singular de o Brasil ter sido um dos únicos países no mundo onde uma parcela da população reivindicou a reforma em manifestações. Outras reformas do período, como a taxa de juros de longo prazo do BNDES (TLP) e o Teto de Gastos, criaram condições para um ambiente macro mais saudável – baixa inflação, baixos juros -, o que ajudou no enfrentamento da crise gerada pela pandemia. Houve também a reforma trabalhista, que gerou um novo perfil de empregos temporários e direitos trabalhistas, outrora impensáveis. É preciso dar continuidade a esse processo de reformas e a observação de tais exemplos de sucesso pode ajudar na agenda de reformas no Brasil. 

Uma nota final: o dever com a responsabilidade fiscal diante da crise e o papel da educação

A crise gerada pela pandemia é sentida não só no Brasil, mas na maior parte do mundo. É dever do país, à diferença de outros momentos, passar pela crise sem o abandono da responsabilidade fiscal e da solidez das contas públicas. É preciso, também, que se entenda a reforma administrativa não como um projeto de lei, sem projeção para o futuro, mas como uma reforma de produtividade no setor público e de alinhamento de incentivos para a provisão de serviços públicos com melhores condições de atender às demandas sociais. Por fim, é necessário o reconhecimento da importância da educação, o maior legado de desenvolvimento que se pode deixar no país, e investir na educação de qualidade. 


Leituras sugeridas:

ALMEIDA, Mansueto; SALTO, Felipe (orgs). Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade. Rio de Janeiro: Record, 2016.

ALESINA, Alberto et alli. The Effects of Fiscal Consolidations: Theory and Evidence. NBER Working Paper No. 23385 May 2017, Revised November 2017. Disponível em: https://scholar.harvard.edu/alesina/publications/effects-fiscal-consolidations-theory-and-evidence-0

Instituto Jones dos Santos Neves. Espírito Santo: Instituições, desenvolvimento e inclusão social. IJSN, 2010. Disponível em: http://www.ijsn.es.gov.br/artigos/835-espirito-santo-instituicoes-desenvolvimento-e-inclusao-social.

MENDES, Marcos. Por que o Brasil cresce pouco? Produtividade, democracia e baixo crescimento no País do futuro. Elsevier, 2014.

MENDES, Marcos. Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil? Elsevier, 2019. 

SAFATLE, C; BORGES, J; OLIVEIRA, R. Anatomia de um desastre. São Paulo: Penguin, 2016.

SPILIMBERGO, A; Srinivasan, K. Boom, bust and the road to recovery. IMF, 2019. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/Books/Issues/2019/03/11/Brazil-Boom-Bust-and-Road-to-Recovery-44927 

The World Bank. A fair adjustment: efficiency and equity of public spending in Brazil. Working paper, 2017. Disponível em: https://www.worldbank.org/pt/country/brazil/publication/brazil-expenditure-review-report

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