Procura
Procura
Hospedado por
pedro.paulo

Presidente do Conselho do Credit Suisse no Brasil, Diretor do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP) e Sócio do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (IEPE/CdG).

Foi Presidente do Banco Central do Brasil  em 2016-2019. Em 2018 foi eleito melhor banqueiro central do mundo pela revista The Banker (Financial Times).

Doutor em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology,  Mestre em Economia pela PUC-Rio e graduado  em Economia pela UFRJ. Ao longo de sua carreira, publicou diversos artigos, livros e atuou na academia, em organismos internacionais e no setor financeiro. Entre os cargos ocupados, estão o de economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco, sócio-fundador da Ciano Investimentos, sócio da Gávea Investimentos, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e da Brandeis University (EUA), economista do Fundo Monetário Internacional, consultor do Banco Mundial.


Resumo:

O IEPE/Casa das Garças recebe seu sócio e diretor do CDPP, Ilan Goldfajn. Presidente do Banco Central do Brasil (BCB) de julho de 2016 a fevereiro de 2019, foi eleito o melhor banqueiro central do mundo em 2018 pela revista The Banker. Ilan discute a arte e a ciência da política monetária, com destaque para o valor dos processos de comunicação e transparência para a credibilidade do Banco Central. Comenta, ainda, a importância da ancoragem das expectativas antes da flexibilização da política monetária, a mudança nas relações entre o BCB e o Tesouro Nacional, a agenda BC+ e as fontes de garantia de legitimidade para a autonomia do BCB.  

Estagflação e instabilidade política: ambiente inicial no Banco Central em 2016

O ambiente econômico no Brasil, em meados de 2016, era marcado por projeções de inflação de 11% muito superiores à meta de 4,5% do BCB. As expectativas de inflação estavam desancoradas e a economia em recessão; vivia-se um período de estagflação acompanhado pela instabilidade política provocada pelo impeachment de Dilma Rousseff. A decisão de Ilan, já nas primeiras semanas após sua posse no BCB, foi confirmar o objetivo de buscar a meta de 4,5% para  2017. Esta posição, naquela ocasião, contrariou a pressão de analistas e da imprensa, favoráveis ao ajuste para cima da meta. 

A credibilidade como aliada das projeções para a meta do BCB

A rápida reancoragem de expectativas, com projeções próximas a meta para 2017 ainda em setembro de 2016, foi viabilizada pelas evidências de determinação do BCB de buscar seu objetivo. O destaque veio para a comunicação do BCB que se tornou mais concisa e direta, por meio de atas mais objetivas e maior clareza nas informações supridas aos mercados e imprensa. Isso facilitou a percepção dos reais objetivos do BCB, recuperando sua credibilidade. É importante destacar que tanto os cenários interno e externo eram favoráveis para uma menor inflação doméstica, devido aos choques de oferta positivos neste período, quando se verificou um declínio da inflação global. Mas a responsabilidade para a reancoragem da inflação, nas metas definidas pelo CMN, ficou a cargo do Banco Central, por meio da mudança de sua postura, associada à credibilidade, comunicação e ação.  

Ancoragem de expectativas e a Carta Aberta ao ministro da Fazenda

Para atingir a meta inflacionária, é preciso haver, primeiro, ancoragem das expectativas. No caso de se passar a impressão de que, ao primeiro sinal adverso, haverá flexibilização, antes mesmo de que as expectativas convirjam, dificilmente se atingirá o objetivo inicial. A Carta Aberta¹ ao ministro da Fazenda, em janeiro de 2018, deixou claro o comprometimento com a meta. Com uma inflação de 2,96%, próxima ao piso de 3%, no texto se evidenciava o esforço do BCB, diante de um choque negativo de alimentos, para a captura da meta ao longo do tempo. O empenho na busca da ancoragem, precedente à flexibilização, foi ponto chave para a estabilidade dos anos seguintes, sobretudo em 2018, marcado pela depreciação do câmbio e elevação dos juros pelo FED. 

O processo de comunicação entre o BCB e o mercado

No processo de comunicação entre o BCB e o mercado, é fundamental que se apresentem as devidas condições e possíveis reações, para que não haja grandes surpresas ao longo do tempo. Pode ocorrer, porém, a não percepção do mercado da mudança das condições. Nesse momento, não se pode ficar refém da precificação e pretensões do mercado financeiro. Em 2018, por exemplo, a projeção era de se manter em queda a taxa de juros, condicionada à conservação das mesmas circunstâncias para o cenário econômico. Com a mudança das condições, gerada pelo aumento da taxa de juros pelo FED e a depreciação do Real, a decisão passou a ser de se manter a taxa de juros. Logo, o ideal, sempre que possível, é de não levar surpresas ao mercado, mas, sendo necessário, deve-se fazê-lo sem hesitação. 

Banco Central e Tesouro Nacional: conclusão de um ciclo de modernização institucional 

Ainda no processo de comunicação, buscou-se uma maior transparência na relação entre o BCB e o Tesouro Nacional. O elo era dado por uma assimetria entre transferência em espécie, do BCB para o Tesouro, do “lucro” resultante da valorização das reservas cambiais, e capitalização do BCB pelo Tesouro, por meio de aporte de títulos, quando era observado “prejuízo”. Essa movimentação assimétrica de recursos entre BCB e Tesouro Nacional gerou um inchaço no balanço do BCB ao longo do tempo. Essa relação contribuía para a percepção de que, por meio deste canal, o Tesouro poderia ser financiado pelo BCB, resultando em expectativas fiscais desancoradas e corrosão da transparência do Tesouro Nacional.  Conseguiu-se explicar a necessidade de correção nesta relação e, através de uma lei²,  criou-se uma conta de reservas de resultados do BCB, na qual passaram a ser registrados os lucros e prejuízos decorrentes da valoração das reservas cambiais em moeda doméstica. 

Agenda BC+: institucionalidade e estruturação

Prezar pela estabilidade monetária e financeira faz parte da missão e do cotidiano no BCB. Porém não se podem desconsiderar as questões que, embora não emergenciais, são relevantes para o avanço institucional. É nesse ambiente que surgem importantes iniciativas, como a agenda BC+ ³, através de projetos estruturantes, muitos deles já existentes no BCB, porém dispersos. A ideia básica era de se criar uma agenda que fosse acompanhada tanto pelo mercado quanto pela imprensa e mídias sociais. Levantou-se em debate, por exemplo, sobre o pagamento instantâneo, que convergiu para o Pix. Discutiu-se, também, o projeto de autonomia legal do BCB, que veio a ser aprovado pelo Congresso em fevereiro de 2021. 

Autonomia do Banco Central e garantidores da legitimidade para a nova Lei

Além da conquista da autonomia de jure, caracterizada pela lei, é importante buscar a autonomia de facto, isto é, na prática. Disciplina e autolimitação do governo fazem parte do processo, já que o BCB é uma instituição de Estado e não de governo. Isso vale para a liderança do Banco Central, que deve se ater a assuntos governamentais apenas quando concernentes à função da autarquia federal. Portanto, a disciplina no dia a dia para saber separar as funções do Banco de interesses do governo e também do setor privado fazem parte do processo de legitimação da Lei Complementar 179/2019. 

Para futuros presidentes do Banco Central, algumas recomendações…

Três atitudes são recomendáveis a quem se propuser a exercer a liderança do BCB. Primeiro, é preciso cautela: com um mercado financeiro que anda mais rápido que a economia real, é preciso cautela para não tomar decisões abruptas e futuramente danosas. Segundo, faz-se necessária a persistência, porquanto muitas iniciativas e projetos dependerão dela. Por fim, a perseverança é indispensável, pois não se pode abandonar com rapidez um ideal proposto. Apesar da existência de boas intenções, é importante saber que, ao se sentar naquela cadeira, a dificuldade com restrições de todo tipo é ampliada. Logo, nem todo feito do Banco Central necessariamente será arquitetado ou planejado, mas poderá ser fruto de condicionamentos externos e políticos.

¹disponível em: https://www.bcb.gov.br/htms/relinf/carta2018.pdf

²publicada no Diário Oficial da União em 03 de maio de 2019, a Lei n°13.820 altera as relações financeiras entre o BCB do Brasil e o Tesouro Nacional. 

³reformulada e ampliada para BC# em maio de 2019.


Leituras sugeridas:

GOLDFAJN, Ilan; DANTAS, Fernando (Orgs). A Economia com Rigor: homenagem a Affonso Celso Pastore. Portfofio (Cia das Letras), 2020. 

GOLDFAJN, Ilan; GIAVAZZI, Francisco (EE). Inflation Targeting, Debt and the Brazilian Experience. MIT Press, 2005. Disponível em: https://mitpress.mit.edu/books/inflation-targeting-debt-and-brazilian-experience-1999-2003

GOLDFAJN, I; MARTÍNEZ, L; VALDÉS, R. Washington Consensus in Latin America: From Raw Model to Straw Man de Ilan Goldfajn. Forthcoming Journal of Political Economy (JPE), 2021. 

BERNANKE, Ben. The Courage to Act: A Memoir of a Crisis and Its Aftermath. W. W. Norton & Company, 2015. 

Últimos episódios

Episódio 13