Procura
Procura
Hospedado por
pedro.paulo

Bernard Appy é diretor do Centro de Cidadania Fiscal, um think tank independente que tem como objetivo contribuir para a simplificação do sistema tributário brasileiro e para o aprimoramento do modelo de gestão fiscal do país. Formado em economia pela USP, de 2003 a 2009 ocupou cargos de direção no Ministério da Fazenda, tendo sido Secretário Executivo, Secretário de Política Econômica e Secretário Extraordinário de Reformas Econômico-Fiscais. Neste período foi presidente do Conselho de Administração do Banco do Brasil. De 1995 a 2002 e de 2012 a 2014 foi sócio e diretor da LCA Consultores. De 2010 a 2011 foi diretor da BM&FBOVESPA. É membro de vários conselhos consultivos, dentre os quais o Conselho de Assessoramento Técnico da Instituição Fiscal Independente.


Resumo:

O economista e diretor do Centro de Cidadania Fiscal, CCiF, Bernard Appy, traz ao podcast A Arte da Política Econômica as bases e desafios para a reformulação do sistema de tributação indireta brasileiro. Appy comenta suas experiências nas Secretarias Executiva e de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2009), a evolução da sua percepção sobre as distorções do sistema tributário, a criação do CCif e os caminhos em direção à formulação da PEC 45/2019, uma proposta que aproxima o Brasil do padrão global de tributação indireta de países que adotam o IVA, o imposto sobre valor adicionado. 

A experiência na Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda

A função de Secretário Executivo (2003-2005) é ampla e demanda o acompanhamento de ações de todo o ministério; assemelha-se ao cargo de um vice-ministro. As questões fiscais – tributárias e de controle das despesas – representam uma parte substantiva da agenda. No Ministério da Fazenda, uma parcela importante do trabalho é dedicada a ações de defesa, isto é, ao controle das contas públicas e vedação de propostas inconsistentes de outras áreas do governo. Uma importante iniciativa tributária deste período foi o fim do IPI de 5% sobre bens de capital em 2004, uma distorção que penalizava os investimentos. 

Projeto de Reforma Tributária de 2008: faltou prioridade

Em meados de 2008, já na função de Secretário de Política Econômica (2007-2008), Appy assume o desenvolvimento da proposta de reforma tributária (PEC 233/2008) no âmbito do Executivo. A proposta aproveitava as discussões anteriores já realizadas no Congresso sobre o impacto negativo das distorções tributárias no crescimento do país. A fim de eliminar as possíveis resistências à aprovação no Congresso, foram realizadas inúmeras reuniões setoriais e com estados da federação, onde constatou-se a necessidade de se manter o ISS, de competência dos municípios, dada a oposição que prevalecia, à época, à perda de autonomia tributária. A PEC reunia o IVA federal e estadual, e mantinha o ISS dos municípios. A proposta, contudo, não alcançou a atenção e engajamento esperados do governo. A exemplo de outros momentos de discussão de reformas tributárias, o governo não alocou capital político para fazê-la avançar. 

Criação do CCiF: formulação de nova proposta de alteração do Sistema Tributário Nacional 

Idealizado em 2014, o Centro de Cidadania Fiscal é inaugurado em 2015, com o objetivo de tratar de questões tributárias e fiscais no Brasil. Em poucos meses, o think tank já dedicava foco integral às mudanças estruturais do sistema tributário, com o desenvolvimento de uma reforma na tributação de bens e serviços. A proposta buscou minimizar as resistências setoriais e federativas. O texto foi apresentado aos vários candidatos à presidência da república nas eleições de 2018 e a aceitação e evolução do debate em torno do tema no Congresso culminou na PEC 45/2019. A PEC substitui cinco impostos distorcidos do Brasil – IPI, PIS, CONFINS, ICMS e ISS –  por um único imposto sobre bens e serviços, o IBS. Sendo um imposto sobre valor adicionado, o novo IVA é desenhado a partir da recomendação das melhores práticas internacionais em tributação, com máxima homogeneidade de regras e alíquota uniforme para todos os bens e serviços. A inovação, porém, se deu na criação de uma estratégia de migração e transição do atual modelo, repleto de distorções, para o novo modelo.  

O bom desenho do IVA, a distância em relação ao ideal e seus efeitos sobre o comércio exterior

Um bom desenho do Imposto sobre Valor Agregado inclui a tributação no destino, não cumulativa, e ampla base de incidência sobre bens, mercadorias, serviços e intangíveis. O IVA é um imposto cobrado sobre o valor adicionado durante as etapas da cadeia produtiva; face os descontos dos tributos é, de fato, um tributo sobre o consumo. No Brasil, a distância em relação ao modelo padrão decorre de uma série de fatores. Ao invés de uma base de incidência ampla, tem-se uma base fragmentada, que, como ocorre no ICMS e ISS, quebra o sistema de débito e crédito garantidores da não cumulatividade, o que inviabiliza a recuperação de crédito do imposto pago ao longo da cadeia. Em um bom IVA, há a desoneração da tributação das exportações e dos investimentos; os tributos sobre insumos aplicados no processo produtivo são rapidamente recuperados. A incidência cumulativa atual, porém, gera o efeito oposto. No Brasil, por exemplo, a devolução de impostos sobre os insumos usados para a exportação e investimentos é complexa e difícil, o que gera perda de competitividade das exportações e encare o investimento. A permanência do conceito de crédito físico em lugar do financeiro limita a capacidade de as empresas virem a ser ressarcidas do pagamento de tributos. Tudo isso gera perda de competitividade.

As distorções do sistema tributário brasileiro: guerra fiscal, contencioso e alocação improdutiva 

No Brasil, tanto o ICMS quanto o ISS são tributados na origem. Uma das consequências é a guerra fiscal entre municípios e entre estados. Outra consequência reside na falta de interesse dos estados na atração de empresas exportadoras, já que, muitas vezes, o ente federativo tem de devolver o imposto arrecadado em outro estado e sem a incidência do ICMS no valor de venda. No campo das distorções há, também, a complexidade no pagamento de impostos, que coloca o país em primeiro lugar em horas gastas com o processo¹. Essa complexidade rende elevado grau de contencioso. O principal problema, contudo, se situa nas distorções alocativas, isto é, na ausência de neutralidade da tributação sobre as decisões alocativas das empresas, que se organizam de forma a minimizar os custos tributários e perdem eficiência no processo. 

Elementos para a transição do novo IVA: supressão de resistências e necessidade de capital político

A proposta de reforma tributária do CCiF foi baseada na melhor experiencia internacional e buscou minimizar as resistências às mudanças. O combate às resistências se deu em duas frentes: na setorial, através de uma transição longa, e na federativa, por meio de uma atenção à distribuição da receita para estados e municípios, da preservação da autonomia dos entes federativos na fixação da alíquota de impostos e de um modelo de gestão compartilhada do imposto IBS entre a União, estados e municípios. O desafio segue no lado político. Com a discussão no Senado Federal de uma proposta semelhante à PEC 45, criou-se uma comissão mista para compatibilização das duas propostas, ação que perdeu força diante da pandemia e das eleições municipais e na Câmara. O último relatório apresentado, no entanto, contempla demandas do governo e minimiza resistências. A sua aprovação depende de mobilização e uso de capital político. É certo que, independentemente de aprovada ou não este ano, houve significativo avanço na identificação e reconhecimento das resistências à reforma tributária no Brasil.

Dados do Banco Mundial. Matéria disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/brasil-o-pais-em-que-empresas-gastam-mais-tempo-para-calcular-pagar-imposto-24934117


Leituras sugeridas:

APPY, B. Por que o sistema tributário brasileiro precisa ser reformado. Interesse Nacional, ano 8, n. 3, p. 65-81, out/dez 2015. Uma versão atualizada em 2016 pode ser acessada em: https://www.ccif.com.br/wp-content/uploads/2020/06/Appy_Tributacao_1610.pdf

APPY, B. Tributação e produtividade no Brasil. In BONELLI, R., VELOSO, F. e PINHEIRO, A.C., Anatomia da Produtividade no Brasil. Rio de Janeiro : Elsevier : FGV/IBRE, 2017. Uma versão do texto pode ser acessada em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4105023/mod_resource/content/0/Appy_Tributacao_e_Produtividade.pdf

LUKIC, M. S. R. Reforma Tributária no Brasil: Ideias, Interesses e Instituições. Curitiba : Juruá Editora, 2015.

MIRLESS, J. et al. Tax by Design. Londres : Institute for Fiscal Studies, 2011. Acessível em: https://ifs.org.uk/publications/5353. Recomendo a leitura do Capítulo 1 (Introduction). 

ORAIR, R. O. e GOBETTI, S. W. Reforma Tributária e Federalismo Fiscal: Uma Análise das Propostas de Criação de um Novo Imposto Sobre o Valor Adicionado Para o Brasil. IPEA, Texto para Discussão n. 2530, dez 2019. Acessível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35279&Itemid=444

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta de Emenda Constitucional nº 45, de 2019. Acessível em: https://ccif.com.br/wp-content/uploads/2020/06/PEC-45-2019.pdf. Recomendo a leitura dos itens 1 e 2 da Justificativa.

VARSANO, R. A Evolução do Sistema Tributário Brasileiro ao Longo do Século: Anotações e Reflexões para Futuras Reformas. IPEA, Texto para Discussão n. 405, jan 1996. Acessível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/1839/1/td_0405.pdf

Últimos episódios

Episódio 23