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pedro.paulo

Sandra Rios é economista com mestrado em Economia pela PUC-RJ e professora licenciada do Departamento de Economia da PUC-RJ,

É diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES) e sócia da Ecostrat Consultores. 

Consultora de projetos do Banco Mundial, BID e outras instituições internacionais,

foi pesquisadora do IPEA e Coordenadora do Departamento de Integração Internacional da Confederação Nacional da Indústria – CNI.


Resumo:

O IEPE/Casa das Garças recebe a economista e diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (CINDES), Sandra Rios. Ex-chefe da área internacional da Confederação Nacional da Indústria (1994-2003), Sandra examina a política comercial brasileira desde os anos 1980, as iniciativas de abertura comercial do governo Collor, os desafios do Mercosul, a participação do Brasil nas cadeias globais de valor, a persistência das políticas de proteção e a agenda para a maior inserção do Brasil na economia internacional. Comenta ainda a institucionalidade do processo de formulação de políticas de comércio exterior e a economia política da proteção. 

Pano de fundo da política comercial brasileira

Desde os anos 1950, a política comercial é um elemento da política industrial voltada para a substituição de importações, a qual teve um papel relevante na consolidação e diversificação da indústria brasileira. Em meados da década de 1980, porém, já se percebiam disfuncionalidades na estrutura de proteção do Brasil. Com o governo Collor (1990-1992) veio a convicção da abertura comercial como parte essencial das reformas modernizantes, o que levou a tarifa média sobre as importações, que estava acima dos 30%, para 13% em 1993. Acompanhando esse processo, veio a valorização cambial advinda do Plano Real, que pressionou ainda mais a concorrência da indústria nacional com os produtos importados. 

Cadeias globais de valor: revisão regulatória, geografia e incompatibilidade da indústria brasileira

Embora conhecido como global, o fenômeno das cadeias internacionais de valor tem aspecto regional, com predominância nos continentes europeu e asiático. A discussão em torno da construção de políticas para a participação de países nessas cadeias, promovida a partir de organizações multilaterais como OCDE, OMC, Banco Mundial e UNCTAD, ganhou destaque a partir de 2010. Com a simplificação do ambiente regulatório, esperava-se uma remoção dos entraves aos fluxos de bens e serviços e redução dos custos de comércio, além da promoção de um ambiente regulatório favorável à expansão dos negócios. No Brasil, além da questão do isolamento geográfico, prevalecem características distintas das dos países asiáticos e do Leste europeu, dadas as nítidas vantagens comparativas do país em setores como os de tecidos e de recursos naturais. Além disso, apesar de diversificada, a indústria brasileira tem forte integração vertical, que a torna incompatível com as cadeias internacionais de valor. 

30 anos do Mercosul: entraves de um Tratado com baixas expectativas de êxito

Completados 30 anos de sua formalização pelo Tratado de Assunção em 26 de março de 2021, o Mercosul, apesar de reunir intenções promissoras, apontava sinais adversos desde o fim da década de 1990. Para além dos impactos da crise asiática no Brasil e na Argentina e da desvalorização do Real em 1999, o Tratado tangenciava o irrealismo ao tentar uma união aduaneira no prazo de três anos a partir de sua criação. O problema não consistiu apenas da questão temporal, pesou também o fator tarifário, onde ocorreu crescimento acentuado de mecanismos de exceção à proposta de uma tarifa externa comum, com listas de produtos fora da regra, em torno de 40% em 2021. Também não houve cogitação de um único sistema de defesa comercial, fundamental em uma união aduaneira. No campo do irrealismo, estava presente também a negociação de acordos comerciais com terceiros países condicionada à obrigatoriedade de participação dos demais países do Mercosul. 

Mercosul hoje: flexibilização de acordos, área de livre comércio e inviabilidade da união aduaneira

O prenúncio de acordos comerciais mais amplos apontava para um aumento da divergência entre as partes contratantes. O primeiro acordo comercial relevante veio a partir da conclusão das negociações com a União Europeia no primeiro semestre de 2019, e com o EFTA¹ logo a seguir, ainda não ratificados. Hoje, a discussão no Mercosul se concentra em torno do impasse entre Brasil e Argentina sobre a necessidade de revisão da Tarifa Externa Comum (TEC) e redução do grau de proteção, com resistência argentina. O Uruguai, um dos mais afetados com a política comum, já manifestava interesse em acordos ambiciosos com terceiros países, que foram impedidos pelo protecionismo do bloco. É equívoca, porém, a projeção de fim do Mercosul, uma vez que como área de livre comércio ele pode gerar resultados promissores. É preciso repensar a união aduaneira, que lista uma série de exigências com baixo potencial de cumprimento, e almejar uma área de livre comércio, o que depende de uma convergência política ainda improvável.   

Agenda de abertura comercial: interesses políticos, governança e participação conjunta 

A ideia de uma participação conjunta de ministérios distintos na agenda comercial é difundida desde o governo Collor. No atual governo, a partir da combinação do interesse do chefe do Executivo, com consequente custo político, e a reforma da governança na área econômica, com a criação do superministério da economia, foi possível o favorecimento de uma política de abertura comercial. Para o avanço dessa política se faz necessária a quebra de barreiras protecionistas internas, além da superação dos interesses contrários do setor privado. Já no governo FHC, preservando-se a ideia da reunião de diferentes áreas temáticas com interferência sobre a política comercial, foi criada a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX). Ligada à Presidência da República e com participação de diversos ministérios, a instância sofreu enfraquecimento quando inflada, no final da década de 1990, pela incorporação da extensa agenda de negociações da ALCA. 

Reforma inconclusa: tensões geopolíticas e desafios da indústria brasileira face ao onshoring

O cenário geopolítico adverso, decorrente da crise do COVID-19 e das tensões políticas entre os EUA e China, traz à tona o debate sobre o possível reforço de medidas protecionistas e revisão dos movimentos de offshoring, isto é, de deslocalização industrial. Todavia, previsões catastróficas até hoje não se concretizaram em posicionamentos generalizados de políticas comerciais protecionistas. O custo de onshoring não é desprezível, e não se podem reverter com facilidade os ganhos de eficiência e produtividade advindos da globalização, com o retorno dos elos das cadeias produtivas para as economias domésticas. No Brasil, houve estagnação na estrutura de proteção desde meados da década de 1990. Além disso, adotou-se entre 2011 e 2016 forte ativismo de política comercial, que afastou o país das cadeias internacionais de valor e favoreceu uma indústria de baixas eficiência, produtividade e especialização. É possível traçar um paralelo entre a dificuldade de avanço da política comercial e a da tributária, com disfuncionalidades em ambas advindas da profusão de interesses de diversos setores e grupos no país.  

¹bloco econômico europeu composto pelos países da Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein. 


Leituras sugeridas:

Araújo, S. & D. Flaig (2016). Quantifying the Effects of Trade Liberalisation in Brazil: A Computable General Equilibrium Model (CGE) Simulation, OECD Economics Department. Working Papers, No. 1295, OECD Publishing, Paris. https://www.oecd-ilibrary.org/economics/quantifying-the-effects-of-trade-liberalisation-in-brazil_5jm0qwmff2kf-en

Baldwin, R. (2014.) WTO 2.0: Governance of 21st Century Trade, The Review of International Organizations, vol. 9(2), pp. 261-283, 2014. https://ideas.repec.org/a/spr/revint/v9y2014i2p261-283.html
Caliendo, L & Parro, F. (2021). Trade Policy. National Bureau of Economic Research.
Working Paper 29051. http://www.nber.org/papers/w29051

CDPP & CINDES (2016). A Inserção Internacional da Economia Brasileira. Propostas para uma nova política comercial. Texto para Discussão.
https://www.cindesbrasil.org/site/index.php?option=com_jdownloads&Itemid=14&view=finish&cid=916&catid=51

Dix-Carneiro, R. & Kovak, K. (2015). Trade Reform and Regional Dynamics Evidence From 25 Years of Brazilian Matched Employer-Employee Data. National Bureau of Economic Research. Working Paper No.20908. http://www.nber.org/papers/w20908

Fernandes, M., Rocha, N. & Ruta, M. (2021). The Economics of Deep Trade Agreements. CEPR Press & World Bank Group.
file:///C:/Users/srios/Downloads/Economics_Deep_Trade_Agreements.pdf

Kalout, H., Degaut, M. Pio, C., Góes, C., Repezza, A., Leoni E., & Montes, L. (2018). Abertura comercial para o desenvolvimento econômico. Relatório de Conjuntura N°3. https://www.researchgate.net/publication/323615850_Abertura_Comercial_para_o_Desenvolvimento_Economico_Trade_Openness_for_Economic_Development

Naidin, L., Motta Veiga, P. e Rios, S. (2021). Liberalização Comercial sob Bolsonaro: o que foi feito e o que pode ser feito até o final do governo. (2021). Série Breves Cindes 112. https://www.cindesbrasil.org/site/index.php?option=com_content&view=article&id=12&Itemid=12

Ornelas, E., Pessoa, J. P. & Ferraz, L. (2020). Causas e Consequências do Nosso Isolamento. São Paulo: BEÎ Editora.

Rios, S. & Motta Veiga, P. (2018). Abertura comercial: a reforma necessária (mas não suficiente) para a retomada do crescimento econômico. In: Pastore, A.C. (coord.) Como escapar da armadilha do lento crescimento. CDPP.
https://www.cindesbrasil.org/site/index.php?option=com_jdownloads&Itemid=14&view=finish&cid=948&catid=51

Ruta, M. (2017). Preferential Trade Agreements and Global Value Chains: Theory, Evidence and Open Questions. Global Value Chain Development Report, 2017, Measuring and Analyzing the Impacts of GVCs on Economic Development.
https://documents.worldbank.org/pt/publication/documents-reports/documentdetail/991871505132824059/preferential-trade-agreements-and-global-value-chains-theory-evidence-and-open-questions

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