Procura
Procura
Hospedado por
pedro.paulo

Economista com doutorado em Ciência Política (Iuperj / University of California San Diego, UCSD). É pesquisador associado da FIPE/USP. Quando pesquisador do Ipea, foi coordenador do Grupo de Estudos Previdenciários daquele Instituto. Ocupou os cargos de subsecretário-geral de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, diretor do IBGE e superintendente da ANAC. Deu aulas no programa de mestrado e na graduação de Economia da Universidade Cândido Mendes e na graduação de Economia da PUC-SP. Já publicou mais de duas dezenas de artigos em revistas científicas do Brasil e do exterior. É autor e organizador dos livros “Reforma da Previdência: debates, dilemas e escolhas” (2005), “Demografia: a ameaça invisível” (2010), “Caminhos trilhados e desafios da educação superior no Brasil” (2014), “Reforma da Previdência: a visita da velha senhora” (2015) e “Reforma da Previdência: Por que o Brasil não pode esperar?” (2018).


Resumo:

Economista e doutor em ciência política, Paulo Tafner foi coordenador do grupo de estudos da previdência no IPEA/RJ, e traz em detalhes os desafios do que foi e do que poderia ter sido a reforma da previdência no Brasil, aprovada em 2019. O caminho das discussões até a aprovação da reforma foi marcado por resistências, mas também forneceu lições para uma agenda futura para o sistema previdenciário brasileiro. 

Primeiras discussões para a reforma e a necessidade de adoção do sistema de capitalização

O debate presente no grupo de estudos da previdência do IPEA, junto a órgãos governamentais, como INSS e Secretaria de Previdência Complementar, intensificou-se a partir de 2005 e 2006. Havia uma certa interdição a propostas de capitalização da previdência, a qual não era bem recebida no âmbito governamental. A necessidade de adoção dessa alternativa se impõe, no entanto, pela própria demografia brasileira, que desfavorece o regime de repartição. Este é um sistema intergeracional, em que gerações mais jovens financiam as mais velhas; dada as mudanças na demografia brasileira, marcada por crescente envelhecimento da população e redução da base que a financia, seriam necessários maiores ganhos de produtividade na geração sucessora para compensação, o que não se observa. 

O sistema previdenciário no Brasil marcado por distorções e desigualdades…

Antes da reforma aprovada em 2019, havia uma diferença importante na idade de aposentadoria entre gêneros, quando comparado às regras vigentes em outros países; as mulheres poderiam se aposentar 5 anos antes dos homens. Outra característica marcante era a presença de dois tipos de aposentadoria, um por idade, que já existia no Brasil, e outro por tempo de contribuição, introduzido pelo governo trabalhista nos anos 1950. Havia uma diferença social no tratamento dos envolvidos, porquanto os mais pobres estão mais sujeitos a oscilações no tempo de contribuição, ou seja, ao ficarem mais expostos à informalidade e ao desemprego, não conseguem juntar tempo de contribuição suficiente. Essa distorção se manifestava no caso das categorias regulares de profissionais, onde eram requeridos 35 anos de contribuição aos homens e 30 às mulheres. Nesse caso, era comum se observar o empregador, que já tinha uma vida estabilizada, aposentar-se antes da empregada doméstica, que não conseguia apresentar o número de anos de contribuição e passava a se aposentar pela idade mínima. Uma terceira situação particular do sistema previdenciário brasileiro era a acumulação ilimitada de benefícios. É exemplo a situação derivada da simplicidade de regras para a concessão de pensão, a qual não exigia, por exemplo, o matrimônio efetivo, bastando apenas a declaração de coabitação. Havia também a pensão no valor integral da aposentadoria, sem o requisito de período contribuitivo longo e até a adição de aposentadoria com pensão de forma irrestrita. 

O caso do Chile: características e dificuldades na replicação do modelo de capitalização no Brasil

Ao mudar o regime de previdência pelo sistema puro de capitalização em 1981, o Chile ganha repercussão internacional. De certa forma, a mensagem passada foi a de liberdade, onde o trabalhador passa a decidir sua poupança para o futuro, o que torna o sistema atrativo para economias com alto grau de informalidade. Um problema básico do regime reside na economia comportamental, já que os indivíduos tendem a ter preferência pelo curto prazo. Os jovens, por exemplo, têm aversão ao sistema de previdência e preferência pela liquidez de curto prazo, já que não imaginam um horizonte onde tenham limitação de trabalho, por qualquer motivo. No Brasil, a discussão dessa opção foi interditada por muitos anos. Em 2018, Tafner participa de um grupo que desenha uma proposta de reforma da previdência a ser entregue aos candidatos à presidência da República, com a possibilidade de se fazer um sistema que implantasse a capitalização de forma progressiva e gradual. Para a implementação desse regime, seria necessário, em primeiro lugar, estabelecer-se uma parcela fixa e compulsória de poupança ao trabalhador, já que a preferência, em geral, é por não poupar. Em segundo, é sabido que o acúmulo de reservas por parte do trabalhador tende a ser insuficiente. Logo, a participação do empregador na reserva seria, também, fundamental.  

A opção da capitalização, mesmo que gradual, é abandonada em 2019

Já no primeiro relatório da reforma da previdência, a opção do regime de capitalização é abandonada. A proposta que Tafner ajuda a desenvolver era organizada em uma emenda constitucional e quatro projetos de lei detalhados, além de texto técnico explicativo. A ideia era de se fazer uma reforma paramétrica para os trabalhadores atuais, com idade, condições de aposentadoria, fixação do valor, entre outras particularidades. A capitalização só teria validade para os nascidos a partir de 1º. de janeiro de 2014. Ou seja, sendo 2019 o ano de introdução da proposta, só seriam afetadas pessoas entrando no mercado de trabalho a partir da década de 2030. Havia, ainda, a ideia de se adotarem parâmetros flexíveis para as regras previdenciárias, como no caso da idade mínima, que passaria a ser fixada e sofreria ajuste em função da expectativa de vida, a ser calculada periodicamente pelo IBGE. Isso também se aplicaria para a diminuição da diferença de idade de contribuição entre homens e mulheres, a qual teria variação, para qualquer um dos lados, em função da longevidade. Além de não tratar da capitalização, o texto final aprovado não estendeu o projeto da União aos estados e municípios, o que pode provocar importantes diferenças nas regras de aposentadoria entre os servidores públicos. 

A questão dos estados permanece como problema 

Não há reformas aprovadas nos 27 estados do Brasil e, dos que as têm, apenas Mato Grosso do Sul e Goiás incorporam a maioria das pautas da União. O desequilíbrio gera confusão nas regras, como por exemplo na compensação previdenciária. Para agravar a situação, observou-se, ainda, um aumento generalizado de alíquotas nos estados, autorizado pela emenda constitucional federal. 

Requisitos e agenda: lições para reformas

Dada a dificuldade de se implementar uma reforma, sobretudo da previdência, é fundamental não se abrir mão de requisitos essenciais: convicção da liderança,  do presidente, ministros e secretários; credibilidade, passada através da seriedade e clareza dos defensores da proposta; negociação, sabendo-se que a proposta inicial, dificilmente, será igual à final, o que gera a necessidade de atenção aos itens que podem ou não sair do projeto inicial; e, por fim, a conquista da opinião pública, trazida através de uma equipe técnica coerente na elaboração e divulgação dos detalhes que sejam de interesse da população. Como agenda de reformas para os próximos governos, fica, em primeiro lugar, a capitalização, já que a reforma de 2019 não conseguiu extinguir o déficit público, tampouco diminuí-lo. O que ocorreu, na verdade, foi apenas a redução no ritmo de crescimento da dívida. É preciso também automatizar os parâmetros técnicos, como idade de aposentadoria e tempo de contribuição, fora a necessidade de se corrigirem graves distorções, como acúmulo de benefícios previdenciários. 


Leituras sugeridas:

Tafner, Paulo & Nery, Pedro Fernando

Reforma da Previdência – Por Que o Brasil Não Pode Esperar?

Editora: GEN Atlas; 1ª edição, 2018 

Tafner, Paulo; Botelho, Carolina & Erbisti, Rafael

Reforma da Previdência: a visita da velha senhora

Editora: Gestão Pública, 2015

Giambiagi, Fábio & Tafner, Paulo

Demografia: a ameaça invisível – o dilema previdenciário que o Brasil se recusa a encarar

Editora: GEN Atlas; 1ª edição, 2010 

Giambiagi, Fabio

Reforma da Previdência: o encontro marcado

Editora: Elsevier, 2007.

Cechin, J. e Cechin, A.

“Desequilíbrios: causas e soluções”. (in): 

Tafner, Paulo e Giambiagi, Fabio. (org.). Previdência no Brasil debates, dilemas e escolhas. Ed: Ipea, 2007.

Caetano, Marcelo Abi-Ramia

“Estrutura, Limitações e Desafios para Previdência de Servidores Públicos” (in)

Tafner, Paulo; Botelho, Carolina & Erbisti, Rafael

Reforma da Previdência: a visita da velha senhora

Editora: Gestão Pública, 2015

Últimos episódios

Episódio 20