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pedro.paulo

Ricardo Paes de Barros é engenheiro pelo ITA, mestre em estatística pelo IMPA e doutor em economia pela Universidade de Chicago. Integrou o IPEA por mais de 30 anos, dedicando-se aos temas desigualdade e pobreza, mercado de trabalho e educação. Foi professor visitante da Universidade de Yale, diretor do Conselho de Estudos Sociais do IPEA, subsecretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e presidente da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento. Publicou diversos artigos e livros, recebendo importantes prêmios em reconhecimento ao seu trabalho, como o Haralambos Simeonidis, o Prêmio Mario Henrique Simonsen e a primeira edição do Prêmio Celso Furtado em Estudos Sociais, da Academia Mundial de Ciências (The World Academy of Sciences). Foi agraciado com a comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico e eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Atualmente, é Professor Titular no Insper, onde dedica-se ao uso de evidência científica para identificação de desafios nacionais, formulação e avaliação de políticas públicas.


Resumo:

Dentre as reformas microeconômicas incluem-se os programas sociais de combate à pobreza e desigualdade. Com atuação destacada nestes temas, o professor do INSPER e doutor em economia, Ricardo Paes de Barros, conhecido como PB, foi um dos grandes responsáveis pela concepção do programa Bolsa Família e compartilha as motivações e desafios do programa e outras ações de combate à pobreza. PB demarca, ainda, as necessidades gerais para uma política social bem estruturada.

Bolsa Família: resolver o problema da extrema pobreza era a prioridade

O programa Bolsa Família, instituído em outubro de 2003 no governo Lula, nasce da necessidade básica de se aliviar o problema da extrema pobreza no Brasil. A discussão inicial girava em torno da busca de uma solução simples que tivesse capacidade de enfrentar um problema urgente. Como a insuficiência de renda dos mais pobres representava uma quantidade ínfima da renda nacional, resolver primeiro o problema da extrema pobreza era a prioridade. Estima-se que os 10% mais pobres do Brasil detêm 1% da renda nacional. O desafio residia na localização desses 10% mais pobres. 

O Cadastro Único e o papel do CRAS no mapeamento de vulneráveis 

Para o funcionamento do programa Bolsa Família, era necessário o Cadastro Único. Através do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), é feita a identificação e o cadastro das famílias que realmente necessitem do benefício. A serviço do Sistema Único de Assistência Social, o CRAS detém mais de 250 mil agentes espalhados pelo Brasil, que fazem a triagem de beneficiários e a análise do valor a ser liberado. Nas comunidades, por exemplo, o serviço é agilizado pelas instituições já presentes no local, que detêm nomes e endereços das famílias em situação de vulnerabilidade. 

Brasil sem Miséria: um exemplo a ser seguido…

Não só promover o programa àqueles que precisam, é necessário também melhorar a qualidade de mapeamento dos mais pobres e o auxílio ofertado. Assim, ao invés de se distribuir pouco para muitos, deve-se priorizar ajudar com muito aos poucos que mais precisam. O passo seguinte é fornecer condições para a inserção produtiva dos atendidos, através de um plano de desenvolvimento pessoal ou comunitário. Um bom exemplo desse procedimento foi o programa Brasil sem Miséria, lançado em 2011 no 1° mandato do governo Dilma, que exercia forte papel de combate à miséria, aliado com o desenvolvimento socioeconômico de áreas rurais. 

A necessidade de engajamento e contato entre diferentes domínios para a política social

Um fato inquestionável e estabelecido no Brasil é a necessidade da comunicação intersetorial para o combate à pobreza. Não existe política social bem-sucedida quando a Saúde não coopera com a Educação, que não coopera com a Assistência Social, com o Ministério Público, e assim por diante. Muitas vezes, os recursos e técnicas empregados nos programas sociais são de nível estadual ou federal, enquanto a implementação e capilaridade são de nível local. No caso da vacinação contra a Covid-19, por exemplo, a interação e cooperação entre o governo federal, estadual e municipal é indispensável para a organização da distribuição. 

O nível de escolaridade cresce e a produtividade não acompanha…

Um dos grandes desafios é reverter a distorção que há entre o baixo crescimento de produtividade e o aumento da escolaridade média da força de trabalho no Brasil. Ou seja, o problema é a dificuldade de conversão da educação em produtividade e, consequentemente, em renda e bem-estar para a população. Ainda no campo produtivo, existem casos de grande complexidade no Brasil, porém suplantados através de políticas bem desenhadas e implementadas. A inclusão produtiva rural, por exemplo, teve excelência no desenho, via planos de ação desenvolvidos no antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)¹. 

Política social deve estar alinhada com a geração de incentivos

O Brasil, nos últimos 20 anos, caracterizou-se pela geração de uma política social extremamente generosa, porém, em grande parte, sujeita a ineficiências pela preocupação insuficiente com os incentivos. Uma das formas de se superar o problema está na idealização de políticas que já tenham os incentivos em seus desenhos, sem a necessidade, assim, de criação a posteriori de ajustes e benefícios com esse fim. No programa Bolsa Família, por exemplo, foi criado o retorno garantido, que assegurava o retorno automático do benefício para aqueles que deixassem o programa por terem conseguido trabalho formal e perdessem o emprego por qualquer motivo, o que gerava incentivo para a busca de emprego. 

Não se podiam esperar bons resultados com a realização dos mesmos erros…

É comum se observar, por parte de empresas e de inventores, a repetição de erros em inúmeras tentativas. No enfrentamento da pandemia do Covid-19, repetiu-se, no Brasil, sob as mesmas condições e alcance do primeiro mês, o auxílio emergencial nos meses subsequentes. Não houve a remodelagem com os dados daqueles que perderam seus empregos, que se aproximaram dos 9 milhões², e sim a continuidade na distribuição do benefício a 70 milhões de brasileiros. Repetiram-se os erros, e não houve conexão entre os governos federal, estadual, municipal e, ainda, com a sociedade civil

Produtividade e inclusão: um conselho para a agenda sociopolítica no Brasil

Em primeiro lugar, não basta a criação de políticas sociais, é preciso, também, uma economia com níveis elevados de produtividade, viabilizados por um ambiente estável e favorável de negócios. Em segundo lugar, é necessária a inclusão produtiva dos mais pobres, como já feito no programa Brasil sem Miséria. Ou seja, é preciso não só o crescimento, mas também a instrumentalização do pobre para que participe, com prioridade, desse progresso. À medida que se ocorrer essa inserção, poderá se observar uma redução na desigualdade e na pobreza. Com essa combinação, haverá um país melhor e socialmente mais justo.  

¹extinto em 12 de maio de 2016, o MDA dá lugar à Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Casa Civil da Presidência da República (Sead). 

²dados divulgados pelo site G1 em 06/09/2020. Disponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2020/09/06/quase-9-milhoes-de-brasileiros-perderam-o-emprego-em-tres-meses-de-pandemia.ghtml


Leituras sugeridas:

MACHADO, Laura Muller (Org). Legado de uma Pandemia. Rio de Janeiro: Autobiografia Editora, 2021. Disponível em: https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2021/02/legadodeumapandemia-1.pdf 

Obs.: recomenda-se a leitura dos capítulos 4 e 13. 

CAMPELLO, T; FALCÃO, T; DA COSTA, P. V. (Orgs). O Brasil Sem Miséria. Brasília: MDS, 2014. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/brasil_sem_miseria/livro_o_brasil_sem_miseria/livro_obrasilsemmiseria.pdf 

Obs.: recomenda-se a leitura dos capítulos A ESTRATÉGIA DE INCLUSÃO PRODUTIVA URBANA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA, por Patricia V. Da Costa, Luiz H. Muller, Margarida M. Cardoso, Marcelo de Sousa e Luciano M. A. De Lima e A INCLUSÃO PRODUTIVA RURAL DO BRASIL SEM MISÉRIA: ESTRATÉGIAS E PRIMEIROS RESULTADOS, por Janine Mello, Bruno T. Andrade, Cíntia E. Melchiori e Ysrael R. De Oliveira. 

DE BARROS, R. P; FOGUEL, M. N; ULYSSEA, G. (Orgs). Desigualdade de Renda no Brasil: uma análise da queda recente (volume 1). Brasília, 2007. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=5553 

Obs.: recomenda-se a leitura da Nota Técnica. 

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